sexta-feira, 27 de abril de 2012

Casos de família no alto sertão da Bahia


Chamo a atenção do leitor desavisado, pois esta história dos Vasconcelos Bittencourt que começo a contar provoca a lembrança de outro episódio, mas que não podem ser confundidos.
Por isso mesmo reitero, são duas histórias diferentes, com motivações diferentes, e que se transcorrem de forma diferente. Um dos casos ficou registrado em romances, mas também em inquéritos policiais. O segundo, não tão conhecido, espera que as penumbras que o cercam possam se dissipar.
Entre as histórias transcorreram trinta anos a quarenta anos. Os acontecimentos que envolveram o rumoroso caso de Pórcia e Leolino levaram a uma longa guerra entre famílias sertanejas. A outra história, dos Vasconcellos, foi de conhecimento restrito e teve razoável assimilação pela sociedade à época, legitimando-se segundo procedimentos considerados apropriados.
A guerra entre os Mouras, Castros e Tanajuras contra os Pinheiro Cangussus é contada em diversas versões: o romance de Afrânio Peixoto, "Sinhazinha"; o "ABC de Castro Alves", de Jorge Amado; o cordel "O Idílio de Pórcia Castro e Leolino Canguçu", de José Walter Pires, o texto "Idílio de Pórcia e Leolino" de Dário Teixeira Cotrim; os estudos em "A História de Castro Alves", de Pedro Calmon, e a síntese magistral de Lycurgo Santos Filho: "Uma comunidade rural do Brasil antigo".
Castro Alves, o poeta maior, apenas nascera, e as lágrimas da senhora sua mãe caiam sobre o seu berço, triste com os fatos que ainda se desenrolavam. Ela podia ouvir de um quarto próximo, os gritos surdos do choro da sua irmã Pórcia.
Neste tom é que Jorge Amado inicia o seu conto sobre a história de amor. São tons dramáticos e o autor, em geral, busca ser mais fiel aos apelos da emotividade que a trama exige, do que à estrita realidade dos fatos.
Farei um resumo da história, procurando me restringir àquilo que de consensual se pode observar dos diversos registros literários e documentais.
Pois bem, vamos aos fatos. Pórcia e sua irmã eram conduzidas desde o alto sertão, da localidade de Cajueiro (no atual município de Guanambi) até Curralinho, na borda do Recôncavo baiano, hoje conhecido como município de Castro Alves. Ali Clélia Brasília se casaria em breve com o futuro pai do poeta.
Um amigo dos Castros, da família Tanajura, estava encarregado de comandar a comitiva, e por sugestão sua, resolvem, pedir acolhida no sobrado do Brejo, de propriedade dos Cangussus, na localidade de Bom Jesus. Seria uma parada natural para descanso, tendo em vista a longa viagem. Como de costume, as portas se abriram para os amigos.
Foi a partir desta estadia que os tristes fatos se sucederam, tendo uma motivação amorosa como estopim.
Segundo os relatos, na breve convivência da pousada, Pórcia Castro e Leolino Cangussu se envolveram emocionalmente. Um amor impossível, dir-se-ia, pois Leolino era casado.
Quando da partida do grupo, no entanto, dá-se a confusão: Pórcia é retida. Contra a vontade ou não, permanece por três semanas no sobrado dos Cangussus, enquanto a tensão entre as famílias aumenta.
Em seguida, com o apoio dos Mouras, Castros e Tanajuras, empreendem um assalto à casa grande do Brejo, consumando o resgate da moça. Esta ação, longe de encerrar o caso, representou o começo de uma luta encarniçada. O ódio dos Cangussus se volta especialmente contra os Mouras, por considerar que sendo aparentados, não se podia admitir seu envolvimento na situação.
Segue-se o assassinato de Martiniano de Moura e Albuquerque, pai do Barão de Vila Velha, em fins de 1845 ou início de 1846, um ano após o ocorrido em Bom Jesus. O autor deste crime foi Leolino Cangussu, que veio a ser morto por um grupo armado, em 1847, em Minas Gerais, para onde fugira. Por trás desta morte e da tentativa contra a vida do Coronel Exupério Cangussu, no mesmo período, estava Manuel Justiniano de Moura e Albuquerque, irmão de Martiniano, e sobrevivente de um atentado conduzido pessoalmente por Leolino.
Tudo isto foi objeto de inquérito e processos judiciais que se encerraram apenas em 1850.
Foram cinco a seis anos que marcaram o sertão, do Cajueiro a Bom Jesus, da Boa Sentença à Vila Velha, de Caetité a Curralinho e às Minas do Rio de Contas.
Esta epopeia sertaneja é aqui historiada de forma sintética e evitando os aspectos polêmicos e o caráter romanesco que ganhou ao longo do tempo. A descrição tem como objetivo servir de ilustração da complexidade das relações familiares  e da moral que se cultivava. Afora isto, se verá adiante, pouca serventia teria para o que se conta a seguir.
Neste outro caso, a figura central é o Capitão Faustino Vasconcellos Bittencourt, que à época dos acontecimentos até aqui narrados, sequer havia sido gerado. Os novos fatos são a verdadeira motivação deste texto.
Faustino, ou Dozinho para os amigos mais próximos, casou-se em primeiras núpcias com uma Moura, Camila. Rizério de pai e Moura da sua mãe Constança Rosa, de quem se noticia ser prima do Barão de Vila Velha.
Vejam que é preciso ter cuidado para não se confundir. Tantos são os nomes, por vezes com o mesmo sobrenome, mas que correspondem a pessoas diferentes, que meu pai - que sabe mais histórias que todos os filhos somados, saiu com esta: "parece mais os Cem Anos de Solidão", numa referencia ao best seller produzido por Gabriel Garcia Marques. 
Feita a ressalva, prestemos atenção aos nomes.
Pois bem, Dozinho torna-se viúvo relativamente jovem. Segundo anotações familiares, são registradas segundas núpcias de Dozinho com D. Francisca, mãe de Leônidas.
Entre estes matrimônios, no entanto, dá-se conta de um relacionamento com D. Sergia, do qual nasceram algumas filhas, entre as quais, Fidelcina e Zinzinha.
Este enlace e mais precisamente a forma como se deu é o âmago da nossa narrativa. A partir deste ponto a história tem contornos de incerteza quanto a motivações e minúcias, mas são ricas o suficiente para serem contadas e quem sabe, outras versões, mais românticas ou, ao contrário, mais verossímeis possam surgir.
Viúvo, Faustino se encanta por uma moça de família honesta e de origem humilde, e por razões que se perderam no tempo, a união não se formalizou como de praxe, ganhando contornos novelescos.
Para se beneficiar do conforto da convivência da moça, Dozinho resolve entender-se com os pais dela. Garantindo-lhes melhores condições para enfrentar as dificuldades do dia a dia, busca demonstrar de forma efetiva o seu interesse, obtendo assim o consentimento dos pais em dar-lhe a sua guarda.
Mas, não sendo um casamento formal, era preciso arranjar uma situação em que tal fosse possível, sem que alguma mácula pudesse recair sobre a família. A solução encontrada foi aparentemente simples: o rapto da menina!
Tudo devidamente combinado com os pais da moça, dá-se o sequestro e o sumiço de Sergia. Era noite quando um grupo agiu com a cautela necessária e a rapidez suficiente para que não se gerasse resistências que pudessem comprometer o acordo já firmado. Sergia foi levada.
Chorado o seu desaparecimento, algum tempo se passou até que surge a notícia de que ela se encontrava na Lagoa do Negro, nas terras de Dozinho. Estava, e lá ficou. Tratava-se de encarar um fato consumado. Numa consequência natural, nasceram as filhas, que posteriormente vieram a compartilhar do convívio dos demais irmãos e sobrinhos.
Igualmente consensuado teria sido o desenlace da situação.  Um casamento para a Sergia teria se providenciado, para garantir a sua proteção. Liberado Faustino daquelas responsabilidades, pode realizar suas segundas núpcias, desta vez com D. Francisca.
Como se vê, os dois casos foram cercados de circunstâncias e reações bastante distintas. Em um deles, não houve mortes ou repercussões políticas, o que ocorreu em abundância no outro. No caso dos Vasconcellos Bittencourt faltou um romancista para contar “uma linda história de amor”.

NVJ

6 comentários:

Unknown disse...

Olá, Boa matéria! Meu nome é Luiza Campos de Souza sou aluna do Mestrado da Universidade Federal da Bahia. Sou pesquisadora do conflito envolvendo Leolino Pinheiro Cangussú. No início de 2014 estarei publicando minha dissertação de mestrado sobre o tema.
Gostaria de manter contato, Luiza_base@yahoo.com.br
Atualmente estou pesquisando nos documentos oficiais do Estado e na literatura. Mas pretendo ter acesso a outros documentos. Como posso Manter conato?
Atenciosamente,
Luiza Campos

Nilton Vasconcelos disse...

Luiza,
espero que produza um bom trabalho. A Prefeitura de Brumado acaba de fazer uma reedição do livro de Lycurgo Santos Filho: "Uma comunidade rural do Brasil antigo". Tive dificuldade de encontrá-lo antes. Faço contato com vc.

Unknown disse...

Estou tentando fazer minha genealogia e meu antepassado era Inocencio José Pinheiro pinto depois Canguçu.Como consigo livros sobre eles?Eu moro em Poa São Paulo e me avõ Alexandre Pinheiro Pinto era de Maracás e seu pai José Pinheiro Pinto de Caitité.Obrigada

Nilton Vasconcelos disse...

Eliete,
uma grande fonte sobre os Canguçu é o livro de Lycurgo Santos Filho: "Uma comunidade rural do Brasil antigo", que estava esgotado mas foi republicado pela Prefeitura de Brumado(antigo Bom Jesus dos Meiras, onde morava Leolino Canguçu). Sugiro pedir à Prefeitura.
Outra publicação é de Mozart Tanajura - "História de Livramento, a terra e o homem" uma edição publicada pelo Governo da Bahia, encontra-se pela internet, usado.

Leitura e Produção de textos na EaD disse...

Saudações! Sou mestra em Linguística pela UEFS e gostaria de pesquisar sobre processos de escolarização no sertão da Bahia, no final do século XIX e início do XX. Por gentileza, queria ter acesso a manuscritos dessa época que pudessem me fornecer pistas sobre se houve ou não um processo de letramento no sertão da Bahia. Sei que existem algumas cartas trocadas entre familiares, alguém tem acesso a essas ou a outras cartas antigas?

Grata,

Tárcia.

Nilton Vasconcelos disse...

Profa. Tárcia,
infelizmente não tenho este tipo de registro, mas ficarei atento. Gostaria de ter referências sobre a sua pesquisa, preferencialmente artigos que tenham sido publicados em sites ou revistas eletrônicas.
Obrigado e boa sorte nos estudos.

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