Hilda, a gatinha


Tem coisa que menino ou menina não gostam de fazer: “ariar” panela, varrer terreiro, descascar batata, ralar coco, lavar banheiro... A lista é enorme, às vezes não gostam por pura preguiça, por cansaço repentino, por vontade de "fazer depois", por ser chato... Justificativa não falta.

Na Lagoa do Leite tinha menino e menina para todo gosto: um tinha um ritmo mais lento, outra era mais compenetrada; um era mais enfezado, o outro, brincalhão; mas era tudo criança, e Isaura sabia o jeitinho de cada um.

Ali, havia sempre serviço por fazer. Por isto se diz que o nome não deveria ser Fazenda e sim "Fazendo", porque trabalho não falta nunca. Assim, por não dar conta sozinho ou mesmo com os empregados que ali moravam, Osório chamava um conhecido, gente que estava acostumada a fazer o conserto de uma cerca, limpar a roça de mandioca, realizar um serviço de pedreiro, etc. Na maioria das vezes o serviço era na roça, num lugar mais afastado da casa. Na hora do almoço, meio-dia, sol a pino no sertão, alguém precisava levar a marmita, uma panela, ou um prato para o trabalhador. Era um trabalho daquele que poderia ser classificado como pouco interessante e que os meninos e meninas se esconderiam para não serem encontrados.

Mas para surpresa de D. Miúda, Hilda estava sempre disposta, se apresentava de imediato: Eu! Eu! Eu! Logo se candidatava.

"Que menina boa, hein! Osório, trabalhadeira. Fico orgulhosa"

D. Isaura caprichava, botava arroz, feijão, um picadinho de mamão ou de abóbora; um maxixe ou jiló, a depender da época. Por cima, coroando o prato, ou marmita, uns pedaços de carne do sol. Afinal quem estava trabalhando tinha que recuperar as energias.

Hilda recebia a encomenda e lá seguia saltitante no caminho da roça. Só que a espertinha, na primeira esquina da casa ou curva da estrada, levantava a tampa e.... Créu! Lá se ia um pedaço de carne do sol. Quanto mais longe, menos carne do sol, ou chegava só os complementos.

Agradecido, e em geral com muita fome, o peão lambia o prato e os beiços, e ela voltava prá casa cantarolando “pela estrada a fora, eu vou tão sozinha...” Só que a menina, prá Chapeuzinho Vermelho faltava um pouco...

Certo dia, Ursino, avô de Manoel Rubens, ou foi Antônio Soldado, do Pau Ferro, que tinha trabalhado com Dindinha na Fazenda Poções... Enfim, um dos dois, foi trabalhar na roça em lugar incomum, e a doce menina, pegou a marmita e lá se foi, entregar o almoço. Quando chegou ao suposto local da entrega, nada! Cadê Seu Fulano? Gritou para um lado, chamando-o, gritou para lá mais adiante, e nada!

O jeito era voltar prá casa. E agora? Ela tinha usado o mesmo artifício de sempre, e não tinha carne mais nenhuma no prato. O que ia dizer em casa? Chegou de mansinho, olhou para um lado, para outro, não tinha ninguém por perto. Entrou rapidamente na cozinha, deixou a marmita em cima do fogão e saiu quietinha.

Daqui a pouco chega Isaura: "Ué! O que este prato está fazendo aqui". "Hilda, vc não foi levar a comida?" "Fui sim mamãe, mas não encontrei ele. Chamei, chamei e ele não respondeu". Quando Isaura confere direito o prato, percebe que estava faltando a carne do sol. "Onde foi parar a carne?", perguntou. "Deve ter sido o gato", disse Hilda, sem pestanejar.

Logo em seguida chega Seu Ursino, ou foi Antônio Soldado, um dos dois. Com fome. Também, não era prá menos, pra quem saiu cedinho pra trabalhar e estava sem almoçar até aquela hora, tinha motivo pra estar esfomeado. Isaura lhe dá o prato de comida e explica que estava sem a carne, que devia ter sido o gato, coisa e tal... "Carne? A Senhora me desculpe mas nunca foi carne não, D. Isaura!"

Cadê Hilda?! Hildaa!

Não sei! Alguém viu?

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