A mula fujona e a prisão que não aconteceu

Na década de 40 a situação econômica da família de Osório e Isaura era boa. Plantavam algodão, produziam farinha de mandioca, tinham algum maquinário para a atividade agrícola, umas boas cabeças de gado e outras criações, além de propriedades rurais - a Lagoa do Leite, o Lamarão, e um sítio chamado Fazenda, próximo a Ubiraçaba. Os primeiros filhos já crescidos, ajudavam na lida, e assim viviam bem, com as limitações naturais da vida do campo neste período.

A possibilidade de melhoria, no entanto, os lançou naquela que seria uma empreitada mal sucedida e que mudou de maneira marcante a vida de todos. A contratação de um empréstimo bancário foi cogitada e entusiasmou a família. Tendo como garantia o gado que dispunham, não só Osório, mas também alguns dos filhos - Osmar, Zé Osório e Nilton, que tinham formado o seu próprio plantel, participariam do empreendimento. Cada um, proporcionalmente à quantidade de cabeças de gado que possuía, financiou a compra de outras tantas vacas e bois.

Nilton aproveitou uma oferta de um morador da região que pretendia se mudar e rapidamente conseguiu fazer a compra de gado de boa qualidade a um preço muito convidativo. Osmar, Zé Osório e Osório fizeram compras em conjunto e tiveram mais dificuldades. A oferta de crédito na região promoveu a valorização das reses. Osório recebeu uma oferta de um gado muito bom, mas o preço, que considerava alto, deixou-lhe com muitas dúvidas. Demorou, mas acabou fechando o negócio, pois não lhe restaram muitas alternativas. Eram bois e vacas paridas que ainda apresentavam ubres cheios.

Bem ou mal, até aí as coisas estavam dentro do esperado. A situação começou a complicar quando o banco enviou sua fiscalização, afinal queria se certificar de que o recurso tinha sido aplicado de acordo com o contrato de financiamento. Como as distâncias eram grandes entre a cidade e cada uma das propriedades a serem visitadas, e dada a precariedade da comunicação, as vezes o fiscal chegava e o gado estava espalhado nas mangas, que nem sempre eram tão próximas. Em outros momentos o gado ficava preso no curral, passando fome, aguardando o fiscal que nunca chegava.

Assim, o primeiro fiscal, chegou até a Lagoa Real, mas não foi até a Ubiraçaba. Era gente conhecida da família e confiava de que tudo estava sendo feito corretamente. Assim, mandou uma carta a Osório dizendo que dava como fiscalizado. Baseado na relação que recebera do gado comprado que descreve como sendo vacas que estavam por parir, seu relatório concluiu que havia 17 vacas já paridas, portanto, com os bezerros.

Algum tempo depois veio um segundo fiscal, Sr. Alfeu, que chegou até a Fazenda, em Ubiraçaba, onde o gado foi preso em um quintal. O representante do banco contabilizou o gado, mas....  não encontrou os supostos bezerros das vacas paridas... bezerros que, na verdade não existiam, pois as vacas chegaram paridas, mas sem os bezerros. Não vendo os bezerros, o fiscal quis saber se foram vendidos. Osório, sem saber o que responder, mas preocupado em não prejudicar o primeiro fiscal do banco, confirmou, que sim, que haviam sido vendidos. Ali começam os seus problemas, que em última instância levariam à uma importante perda do seu patrimônio.

Comunicado, o banco transformou os supostos bezerros em revisão e ampliação da dívida, de maneira que a cada pagamento a dívida só aumentava! Por mais esforço que se fazia não conseguiam quitá-la. O assunto deixou a todos sobressaltados.

Outros fazendeiros também enfrentavam dificuldades com a quitação das suas dívidas.  E de Caetité chegou a notícia que um Teixeira, membro de família tradicional, havia sido preso porque não pagou a dívida com o Banco do Brasil. Era o que faltava para assustar ainda mais a família.

Alguns dias depois, Osório vai a Caetité para resolver pendências, fazer compras, pagar mais uma parcela e acompanhar o crescimento da divida.

Por essa época, Nilton havia arrendado umas terras e levado um grupo de trabalhadores para coletar "pó de palha", produto derivado do ouricuri, ou licuri,e utilizado na produção de cera. Distante alguns quilômetros, sempre seguia montado numa mula que comprara, de modo que ela já estava treinada, ia sozinha.

Pois foi justamente montado nesta mula que Osório toma o caminho de Caetité. Lá chegando, soltou o animal numa manga e foi resolver os seus assuntos. Por algum motivo, a mula sai da manga e toma a direção da roça. Concluídas as suas atividades, Osório não encontra o animal e sai a procurar. Como se sabe, desacerto só anda acompanhado, nunca vem sozinho. Um acontecimento que seria absolutamente natural, acabou se transformando em uma confusão sem tamanho.

Na Fazenda, em Ubiraçaba, Isaura começa a ficar preocupada com a demora de Osório, e quanto mais o tempo passava, a preocupação se transformava em desespero. O desespero deu lugar a todo tipo de especulação: "prenderam Osório!", descontrolou-se. Os filhos acompanhavam o desenrolar da situação não menos preocupados.

A notícia de que estavam com dificuldade de pagar o banco havia circulado, e de vez em quando aparecia gente com propostas para comprar o gado, e ao contrário da época da aquisição, o preço só fazia cair. Afinal, quem comprasse corria o risco de ter os bois tomados pelo banco.

A mãe na sua angústia, dizia que a prisão do marido... "Sim, só podia estar preso..." era porque a dívida não havia sido paga...  que o certo era vender o gado e pagar a dívida...   A aflição era grande, e os dias se passavam. As distâncias eram grandes quando percorridas no lombo de burro ou mula.

Um comprador chega disposto a adquirir o gado a preço muito abaixo do que compraram, e ainda assim, o pagamento tinha que ser acertado no banco, para que não corresse risco de perda. Diante da pressão, e a perspectiva de que Osório estivesse preso, Nilton faz o acerto de vender 70 cabeças de gado, por 30 mil cruzeiros. Entre as reses escolhidas pelo comprador estavam, inclusive, animais que já pertenciam à família antes mesmo da contratação do crédito bancário.

Neste meio termo, Osório, desconfiado que a mula fugira para a roça em que se coletava o pó de palha, encontrou quem fosse buscá-la, e finalmente dias depois chegou em casa, para alívio de todos. Osório não foi preso nem nada, tudo não passou de um mal entendido. E agora? O que fazer? A venda do gado já estava apalavrada!

Ao saber da negociação feita na sua ausência, Osório compreendeu a situação e manteve a palavra, garantindo que a venda fosse concretizada. Ainda assim, sobraram algumas parcelas da dívida a pagar, o que pouco a pouco, e com a participação dos filhos acabaram por ser liquidadas.

Este é o fim de uma história triste e aflitiva, que mudou a vida de todos, e forçando a que, aos poucos, saíssem buscando novas oportunidades. Neste sentido, pode-se dizer que foi o pior e o melhor negócio que fizeram.

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