O casamento de Marieta e outros casamentos


Variados motivos levavam famílias sertanejas a estimularem casamentos múltiplos entre famílias próximas: porque conheciam todos os membros e a ideia de casar os filhos fazia parte dos planos desce cedo, porque ao longo dos anos se construía uma confiança mútua; ou porque eram, por isso mesmo, compadres e comadres. Não fossem estes motivos suficientes, valia o simples o fato de que não se encontrava muitas opções em comunidades que viviam em certo isolamento no alto sertão. A espera por uma oportunidade ou alternativa distinta daquela que estava mais à mão, por assim dizer, envolvia certo risco, especialmente para as mulheres, embora entre os homens também ocorresse a solteirice como consequência indesejada.

Aqui vão alguns exemplos de casamentos múltiplos entre famílias, e para que não reste dúvida não está se falando em bigamia ou algo do gênero, mas de situações em que irmãos de uma família casavam-se com irmãs de outra família ou vice-versa, ao contrário.

O caso mais remoto que se deve registrar é o casamento de três irmãos recém chegados dos Açores, em fins do século XVIII - Francisco, José e Manoel de Vasconcellos Bittencourt, que tomaram como esposas três irmãs - Maria Delfina, Gertrudes e Anna Delfina, filhas de Thimóteo Spínola de Souza, este dizimeiro real radicado nas Minas do Rio de Contas.

Estes três irmãos são os ascendentes mais prováveis e longínquos dos Vasconcelos que residem ou são originários da região de Brumado e adjacências. Esta prática de casamentos em família continuou sendo observado em variadas "composições".  Vejamos, a seguir, alguns casos.

Três filhas de Seu Juvêncio Lima e Dona Ana, a saber: Antônia, Celcídia e Jovita, casaram-se, respectivamente com Virgílio, Osmar e Gabriel.  O primeiro era irmão de Osório Rizério de Vasconcelos; o segundo, Osmar, filho; o terceiro, cunhado - Gabriel era irmão de Isaura.

Dois irmãos, Hugolino e Tertulino, casaram-se, respectivamente, com Bela, irmã de Osório, e outra Bela, tia de Osório, irmã de Camila.

Duas irmãs, Crescência e Ana, filhas de Seu Joviniano Souza Lima e Francisca (ou Chiquinha, como era conhecida), casaram-se com José(Juca), irmão de Osório, e Miguel, irmão de Isaura.

Num caso mais conhecido, três irmãs - Maria de Lourdes, Thereza e Celina; filhas de Osório e Isaura, casaram-se, respectivamente, com Zezito, Antônio e Alcebíades, todos eles filhos de Seu Liô (Leonel) Rozendo da Silva e Dona Braulina Bonfim.

Os casamentos, no entanto, não eram tão automáticos como a se poderia deduzir.

Digno de registro, é o caso de Marieta, filha de Seu Zezé, ou Capitão Zezé, como ficou conhecido, aquele que se tornou famoso como delegado de Brumado. Zezé era vizinho de Osório na região de Ubiraçaba, irmão de Fidelcino, cunhado de Isaura. Zezé - de registro José Augusto dos Santos, tinha propriedades rurais como as Fazendas Capoeira de Dentro e Mucambo, possuía também um locomóvel com o qual beneficiava o algodão. Com a morte da primeira esposa, antes de se casar com Dona Marcolina, Seu Zezé resolve fazer o inventário e dividir os bens com a sua única filha, Marieta.

Desta forma, a filha de Seu Zezé tornou-se uma moça rica, um bom partido - nova, embora dissessem as más línguas, a natureza não a tivesse bafejado com os dotes da formosura. Não era, entretanto, tão desprovida de atributos físicos e intelectuais desejáveis que não pudesse encontrar pretendentes. Aliás, como se verá adiante, interessados em desposá-la não faltaram.

O primeiro desses pretendentes era uma pessoa sobre quem não pairavam dúvidas sobre a seriedade das suas intenções. Vizinhos, com naturalidade os pais mantiveram entendimento e "ficou conversado" que Marieta e Osmar, filho de Osório, iriam se casar. Não houve propriamente namoro, apenas, as primeiras movimentações, cheias de cuidado.

Tinha tudo prá dar certo. Seu Zezé era um sujeito respeitado e manteve relações com a família durante muito tempo, mesmo após o episódio que aqui se relata. Na época, inclusive, que ele matou um sujeito em Porteirinha, pro lado de Monte Azul...  Mas isto é outra história, voltemos a Marieta.

Acontece, no entanto, que circunstâncias indesejadas levaram ao término do planejado romance. Um comentário ouvido pelo próprio Osmar, ou dito a ele por terceiros, não vem ao caso, segundo o qual ele "iria se dar bem", casar-se-ia com uma moça rica e estava com a vida resolvida, foi o estopim do desencontro. A afirmação soava como se fosse esta fosse a motivação do casamento com Marieta. Quem conheceu Osmar, sabe que este comentário por si só seria fatal. Levantar qualquer suspeita sob sua conduta era algo absolutamente inaceitável. Aquilo correu-lhe o espírito e tirou-lhe o sono. Era um comentário maldoso e enciumado, sabia, mas levantava suspeitas insuportáveis.

Prá completar, Osmar e Zezé eram muito próximos à época, quase parceiros nas festas e acontecimentos sociais da região. Osmar era sabedor que a esposa de Zezé nem sempre foi beneficiada pela fidelidade prometida pelo marido, e que visitava às escondidas umas mocinhas que aceitavam seus agrados.  E agora, pensava Osmar, "vou casar com a filha dele. Será que ele não vai pensar que vou dar o mesmo tratamento à sua filha? Não, este casamento não vai dar certo!"

Dona Miúda ficou consternada. Muito sentida. "Uma moça tão boa, de família conhecida, de gente amiga". Não teve jeito, o casamento foi desfeito.

Marieta disponível, logo se apresentou Leônidas, filho de Faustino e Francisca, tio de Osmar. Conhecido como Sinhô, já maduro, meio matuto, se apresentou ao pai da moça e fez o pedido. Apesar do consentimento, o namoro não passou de duas visitas protocolares, e a donzela pretendida, com muito jeito, alegou que eles tinham natureza diferente, que ela era moça nova, que não ia dar certo... Dispensou o Tio Sinhô, que mais tarde acabou se casando, tendo sido uma pessoa muito respeitada, pois sempre estava disposto a atender a todos, com muita generosidade.

Sim! E como ficou Marieta? Pois não passou uma semana desde que o segundo namoro se desfez, e Osmar foi chamado para uma "conversa séria" por Anísio, primo de Edmundo Pereira. Segundo informação de fonte absolutamente fidedigna, Anísio quis logo saber: "Afinal, qual foi o problema? Por que você dispensou o casamento? Soube de alguma coisa desabonadora?" Osmar, em resposta assegurou: "Não, moço, de jeito nenhum! É gente de bem. É que não deu certo, só isso."

Em seguida, Seu Zezé foi procurado por Anísio e, em pouco tempo, o casamento foi abençoado e sacramentado, convencido de que Marieta era um bom partido, e que, afinal de contas, a moça não era tão feia assim quanto falavam.

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