Vivendo de Juros

Osório nasceu em julho de 1892, Na Fazenda São Gonçalo no município de Livramento, na Chapada Diamantina. Foi com a família para Barra da Estiva e quando sua mãe Camila faleceu, voltou a morar na Fazenda São Gonçalo,  passando boa parte da infância com o avô Wenceslau, e avó Constança Rosa.

Após casar com Isaura, viu nascer a maioria dos seus doze filhos na Lagoa do Leite, que era parte do espólio da sua mãe Camila. A propriedade foi dividida em quatro partes, distribuídas a José, Virgílio, Camilo e ao próprio Osório(1).

Em 1932,  a família de Osório se mudou para Ubiraçaba, um pequeno povoado do município de Brumado. Ali nasceram os demais filhos: João Pedro, Rui, Camila Ruth e Osorinho. Voltavam à Lagoa do Leite nas férias ou quando o beneficiamento de algodão exigia maior atenção. Osmar, muitas vezes, ficava responsável por receber e anotar as cargas de algodão, isto porque além de produzir no Lamarão, Osório comprava algodão de diversos produtores da região, que em geral entregavam a produção na Lagoa do Leite e ali era processada a separação da pluma e caroço.

 O estudo sempre esteve presente nas preocupações da família. Em Ubiraçaba, José Osório, Nilton e Celina estudaram com o Professor Hélio da Silva Ivo. Os demais filhos com a Professora Gicelda Castro, que era de Caetité, mas mudou-se para o povoado depois de casada. Em 1940, o prefeito Marcolino Rizério de Moura, contratou para a região da Lagoa do Leite a Professora Noemi Borba Prisco, de família tradicional de Caetité. Poetisa, e com formação pedagógica, foi com ela que João Pedro aprendeu as primeiras letras e a escrever o seu nome. 

Osmar, o mais velho, iniciou seus estudos em Rio de Contas e depois no Colégio dos Padres, em Caetité. Lourdes estudou em Livramento, onde Celina também tentou estudar mas teve problemas de saúde, e deu prosseguimento às lições em Ubiraçaba. Diná foi para Caetité, onde morava a avó materna Constança de Lima(Dindinha) e seu padrinho Capitãozinho, com quem Constança se casou após a morte do Seu João Pedro. Mais tarde Diná retornaria a Ubiraçaba na condição de professora, depois foi nomeada para Santa Cruz da Vitória, no Sul do estado, próximo a Itabuna.

Osmar se casa em 1937, com Celcídia, e depois de algumas iniciativas na área do comércio, viajou para São Paulo, para "tentar a sorte". Depois de muitas tentativas e dissabores, retorna a Bahia, em 1939. Em seguida, 1940, Osmar trabalhou como recenseador, contando com Nilton como ajudante. Em fins de 1944, na mesma data, se casam Lourdes com Zezito e Celina com Alcebíades(Bia), sendo que estes últimos passam a morar na Lagoa do Leite (2).

Nos anos seguintes, a família passa a enfrentar dificuldades, principalmente em função de perdas com um financiamento bancário para aquisição de gado. A situação foi se agravando, a sobrevivência tornou-se impraticável, o que determinou que Isaura e os filhos se mudassem para Caetité, ficando Osório em Marquinho, povoado localizado a pouco mais de 5 km da Fazenda Lamarão (3). Lourdes e Zezito, já com filhos, permanecem em Ubiraçaba.

A decisão de ir para Caetité foi tomada logo após a morte de Celina, em junho de 1950, após seu terceiro parto. Alguns filhos de Osório e Isaura estavam fora e, consternados, se deslocaram até Ubiraçaba para o luto da família. Encontraram-se na Lagoa do Leite, onde Celina foi sepultada, e lá ajudaram a decidir a mudança de rumo, pois já não era mais possível permanecer ali. Nilton tinha assumido a Coletoria da Fazenda estadual, em Guanambi, e poderia também ajudar com as despesas.

Em Caetité, os que tinham freqüentado apenas o primário: João Pedro, Rui, Tereza, Hilda e Ruth, teriam a oportunidade de freqüentar o ginásio. A família poderia obter alguma renda "dando pensão", ou seja, instalando uma pequena hospedaria. De início, a Pensão funcionou numa rua próxima ao antigo mercado, depois transferiu-se para outras casas. Entre as pensionistas estavam as filhas dos Mouras, de Boa Sentença, que foram estudar em Caetité. Dona Miúda, como Isaura era conhecida, se desdobrava na nova rotina diária de mãe e dona de um pequeno negócio. Com muito esforço e o apoio dos filhos, conseguiram estabilizar a situação.

Osório cuidava do Lamarão e, em Marquinho, morava na casa de Fidelcina (Fidel), sua afilhada e meia-irmã, visto que era filha de seu pai Faustino com Sérgia(4). 

Osório era um homem simples, de pouca leitura, como se diz. Não teve muita oportunidade de se dedicar aos estudos, o que não quer dizer que não possuía sabedoria. Por esta época, a condição financeira dele não era boa e um sujeito conhecido da família aproximou-se, presumivelmente para "desfazer" dele, constrangê-lo, e perguntou:
- "Osório, você está vivendo de quê?"

Sem pensar muito, de pronto ele respondeu:
- "de juros. Estou vivendo de juros!"
- "como assim?" Retrucou, o incauto.

E com sua sapiência, Osório disse:
- "acontece que passei a vida investindo nos meus filhos, e agora eles estão me ajudando. Estão retribuindo o que dei prá eles".

E a conversa ficou por aí.

Notas

1.  Bela, a irmã, não entrou na partilha, recebendo um valor em dinheiro a título de herança, quando se casou com Hugolino. Na história do rapto de Sergia(narrado em outro episódio) prevaleceu a compreensão de que tudo ficou ajustado, sem que houvesse qualquer dissonância. O relacionamento de Faustino e Sergia, no entanto, não deixou de gerar alguma controvérsia. Tal é o caso de Hugolino.  O pretendente de Bela reclamou que o pai dela vivia amigado, que não respeitava a família etc. Deduzindo que a preocupação era com a possibilidade de não herdar o que considerava justo, Faustino se antecipou, e para não criar dificuldades no acerto do casamento da filha, deu-lhes uma quantia estimada a título de herança, ou dote. Este valor foi apurado com a venda de gado pertencentes a ele mesmo e aos filhos.
2.  A Lagoa do Leite foi vendida, em 1945, para Bia (Alcebiades que se casara com Celina), e este vendeu ao irmão David (que se casou com Nilza, neta de Agnelo) e atualmente pertence a Claudinha, sua filha.
3.  A Fazenda Lamarão foi herdada de Constança Rosa de Moura, mãe de Camila e avó de Osório. Posteriormente, já nos anos 70, foi comprada por Nilton e Antônio, esposo de Tereza. Com a morte de Antônio e a consequente partilha de bens, os filhos ficaram com o imóvel. Em seguida, passou às mãos de Carlinhos, filho de Lourdes, e atualmente pertence a Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais, nascido em Brumado.
4.  Fidel era viúva de Leonídio e não teve filhos. Morreu, em 1973, no Hospital das Clínicas, em São Paulo, para onde foi cuidar da saúde.

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