quarta-feira, 24 de outubro de 2012

ANTÔNIO MARTINIANO, UM MOURA EM SÃO PAULO




Uma conversa puxa a outra. Assim acontece também com o desenrolar desse novelo sobre as famílias que viveram nas Minas do Rio de Contas no século XIX e que se transferiram para São Paulo nas décadas que antecederam à chegada do novo século.

Há várias tentativas de explicação para o deslocamento de riocontenses para o sul do país, e entre os argumentos mais encontrados nos estudos históricos estão aqueles que de alguma forma relacionam a migração ao tráfico de escravos, às condições climáticas adversas em meados do século XIX e, especificamente, à crise na produção e nos preços de produtos agrícolas.

De fato, com a proibição do tráfico externo de escravos em 1850, desenvolveu-se o comércio interno entre as regiões do país, estimando-se que “até ser abolido oficialmente em 1885, o tráfico interprovincial movimentou nada menos do que 200 mil escravos das províncias do norte para as do sul” (1).

À medida que a legislação restringia a escravidão, como no caso da Lei do Ventre Livre, de setembro de 1871, aumentava a demanda por trabalho escravo nas principais regiões produtoras. Somente com a edição da Lei Saraiva-Cotegipe, é que todo o tráfico intra e entre províncias foi proibido.

Em São Paulo, entre 1861 a 1887, o destino dos escravos “do norte” era os municípios cafeeiros, notadamente Guaratinguetá e Casa Branca, com destaque para este último. Em Casa Branca, 28,8% dos procuradores de vendedores de escravos correspondiam a residentes na Bahia, em especial Vila Velha, Caetité e Rio das Contas (2).

Adicionalmente à demanda sulista por mão de obra escrava, outro fator que impulsionou o fluxo migratório foi a crise econômica instalada nas regiões produtoras de algodão e açúcar. Os baixos preços desses produtos fizeram com que as atividades produtivas permanecessem estagnadas, limitando a necessidade de trabalho braçal. Assim, a venda de escravos representava para os grandes proprietários uma saída para a recuperação do capital investido na produção agrícola (1).

As condições adversas do clima também devem ser consideradas nestas análises. Segundo o Prof. Erivaldo Neves da UEFS, “depois da catastrófica seca de 1857-1861, que despovoou os sertões nordestinos, novo período de estiagem disseminou logo o pânico popular e provocou a emigração em massa e a venda da escravaria”(3).

Como se sabe, entre as famílias baianas possuidoras de escravos que migraram para Casa Branca estão os Spínola, os Vasconcellos Bittencourt, mas também os Moura de Albuquerque. Pois é sobre um Moura em especial que se dedica este texto a discorrer, dando uma breve notícia sobre sua descendência em São Paulo.

Efetivamente, entre as “procurações de senhores para venda alhures de escravos, indicando transferência de mão-de-obra cativa da policultura de Caetité para a monocultura do café na fronteira agrícola do Oeste Paulista”, no dizer do texto “Sampauleiros Traficantes”, encontra-se o nome de Antônio Martiniano de Moura e Albuquerque (3).

Antônio Martiniano é filho de Manuel Justiniano de Moura e Albuquerque (falecido em 1881) e Auta Rosa de Moura e Meira, ambos com papel relevante nos relatos históricos e mesmo romanescos sobre a guerra entre os Moura e os Cangussú, que levou a intranquilidade e a morte para muitas famílias do sertão em meados do século dezenove.

Antonio Martiniano casou-se com D. Maria Delfina de Moura Bittencourt, filha de sua prima Ana Amélia Moura e do Major Francisco de Vasconcellos Bittencourt. Este, descendente direto dos primeiros Vasconcellos Bittencourt que chegaram à Bahia vindos Açores.

Um registro importante sobre a atividade de Antônio Martiniano é encontrada nos arquivos municipais de Rio de Contas. Em 1877, o presidente da Província da Bahia encaminha correspondência ao Juiz daquela localidade solicitando informações "sobre Antonio Martiniano de Moura e Albuquerque, que devia imposto provincial por se mudar para São Paulo, levando consigo cerca de duzentos escravos" (4). "Albuquerque era um dos traficantes do Alto Sertão que vendia escravos para o Oeste Paulista por meio de procurações passadas pelos escravistas, e talvez tenha usado o artifício da mudança para outra província para traficar mais livremente." Ao concluir, o estudo considera ser difícil mensurar o impacto do tráfico interprovincial no município, uma vez que não havia controle sobre o mesmo"(5).

O fato é que Antônio Martiniano transferiu-se para São Paulo, mais especificamente para Casa Branca como tantos outros riocontenses, em especial os Vasconcelos Bittencourt.

Uma Lei de 1881, assinada pelo Senador e Presidente da Província de São Paulo Florencio Carlos de Abreu e Silva, estabelece que "Fica pertencendo ao município de Casa Branca e desanexado do de Pirassununga a fazenda do tenente-coronel Antonio Martiniano de Moura e Albuquerque" (6). Mais tarde esta região é desmembrada para constituir um município autônomo em maio de 1886.

Trata-se do município de Santa Cruz das Palmeiras, cuja história aponta a existência de fazendas de produção de café relevantes para a formação do município entre as quais está a "fazenda Maracajú, de Antonio Martiniano de Moura Albuquerque" (7).

Um segundo Antonio Martiniano de Moura e Albuquerque, filho do primeiro, é identificado em Sao Paulo, tendo sido nomeado por decreto de 31 de julho de 1905 a capitão da primeira companhia da Guarda Nacional na Comarca de Santa Rita de Passa-Quatro. Antonio Martiniano, o segundo, casa-se com D. Maria das Dores Cardoso de Moura Albuquerque (8).

Entre os filhos de D. Maria das Dores (que registra um terceiro Antônio Martiniano) está aquele que consagrou-se como membro do Ministério Público daquele Estado: Mário Tobias de Moura e Albuquerque. Nascido em Santa Cruz das Palmeiras, no ano de 1904, faleceu em 1967, aos 62 anos. Bacharel pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1927, teve participação ativa na Revolução Constitucionalista de 1932, ingressando no batalhão Voluntários de Itapetininga. Em 1956, torna-se Procurador-Chefe do Ministério Público, voltando a assumir o posto entre 1964 e 1965. Em São Paulo emprestou o nome a uma escola e a uma penitenciária estaduais.

Assim, aos poucos, vai se desvendando os segredos da migração dos baianos de Rio de Contas para o oeste paulista, contribuindo para o desenvolvimento daquele estado.



1  ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE era filho de MANUEL JUSTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (filho de MARTINIANO JOSÉ DE MOURA MAGALHÃES) e   AUTA ROSA DE MEIRA E MOURA E ALBUQUERQUE.
              ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE  casou-se com 
              MARIA DELFINA DE MOURA E ALBUQUERQUE e tiveram filhos, entre os quais:
             2.  M    i     ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (FILHO)
             3.  F     ii    ANA AMÉLIA DE MOURA ALBUQUERQUE
             4.  F     iii   BELA ROSA MOURA DE ABREU
             5.  F     iv   AUTA DE MOURA BITTENCOURT


      2   ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (FILHO) casou-se com 
             MARIA DAS DORES  CARDOSO DE MOURA(1882-1960) e tiveram filhos:
             6.   M    i     ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (NETO)
             7.   F     ii    ANTONIETA MOURA PENTEADO
             8.   M    iii   MÁRIO TOBIAS MOURA ALBUQUERQUE
             9.   M    iv   JORGE MOURA ALBUQUERQUE
     
     3    ANA AMÉLIA DE MOURA ALBUQUERQUE ou ANA VIEIRA DE CARVALHO
               casou-se com ALBERTO VIEIRA DE CARVALHO
  
     4   BELA ROSA MOURA DE ABREU casou-se com JOSÉ DE LACERDA ABREU 
            e tiveram filhos:
           10   F        i     ODETTE MOURA DE ABREU
           11   M       ii    OMAR MOURA DE ABREU
           12   M       iii   JOSÉ MOURA DE ABREU
           13   M       iv   ANTONIO MOURA DE ABREU
           14   M       v    OLAVO MOURA DE ABREU
           15   M       vi   OSWALDO MOURA DE ABREU
           

     5    AUTA DE MOURA BITTENCOURT casou-se com 
              GABRIEL DE VASCONCELLOS BITTENCOURT


      6    ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (NETO) 
                (1903-1975) casou-se com  LUCINDA DE MOURA E ALBUQUERQUE e 
                tiveram filhos:
             16   F       i  TEREZA CRISTINA  GUIMARÃES

      7    ANTONIETA MOURA PENTEADO casou-se com JOAQUIM PENTEADO

      8    MÁRIO TOBIAS MOURA ALBUQUERQUE (1902-1967) casou-se com 
                 DULCE BOTELHO DE MOURA ALBUQUERQUE (1910-1998) 
                 e tiveram como  filha:
             17   F       i   LÚCIA BOTELHO DE MOURA ALBUQUERQUE 

      9    JORGE MOURA ALBUQUERQUE casou-se com 
                 MARIA MAROLDO DE MOURA ALBUQUERQUE




REFERÊNCIAS

     (1) A participação da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881)
Ricardo Tadeu Caíres Silva (Mestre em História Social –UFBA) Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí- PR. Universidade Federal do Paraná –UFPR (Pós-Graduação/ Doutorado)
     (2) O tráfico de escravos na Província de São Paulo: Areias, Silveiras, Guaratinguetá e Casa Branca, 1861 – 1887. José Flávio Motta
    (3)SAMPAULEIROS TRAFICANTES: COMÉRCIO DE ESCRAVOS DO ALTO SERTÃO DA BAHIA PARA O OESTE CAFEEIRO PAULISTA. Erivaldo Fagundes Neves. UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana.
       (4) Kátia Lorena Novaes Almeida. ALFORRIAS EM RIO DE CONTAS – BAHIA 
Século XIX. Dissertação   apresentada   ao   Curso  de   Mestrado   em História   Social,   Faculdade   de    Filosofia  e   Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia 
     (5) ANTILUSITANISMO E IDENTIDADES POLÍTICAS EM MINAS DO RIO DE CONTAS (1822-1836). Projeto de pesquisa. Mestrado de História UFBA. Moisés Frutuoso.
     (6) Lei Provincial da Assembléia de São Paulo n° 77, de 17/06/1881
 (7) Câmara de Vereadores de Santa Cruz das Palmeiras encontrado em http://www.camarascpalmeiras.sp.gov.br/historia.html
      (8) Diário Oficial de São Paulo, 5 agosto de 1905 pág. 3738.

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