O umbigo do mundo


Alcançamos o Peru a partir de Copacabana, na Bolívia. Estava muito frio para os padrões dos nordestinos, e os platôs nos quais os bolivianos plantavam nas encostas das montanhas, estavam salpicados do branco da neve que caiu à noite.

Ainda na borda do lago Titicaca fomos a Yunguyo, e dali tomamos um caminhão até Puno. Em Juliaca, comprei numa feira popular um gorro e um agasalho com motivos andinos - desenhos de lhamas, lembro-me bem, pois lamentei muito o sumiço do pulôver, tempos depois, consumindo uma das poucas lembranças materiais da viagem.

O deslocamento à histórica Cuzco foi de ônibus, onde chegamos entre 23 e 24 de janeiro. Conseguimos uns quartos numa pousada que se encaixavam em nosso bolso e saímos para visitar a cidade. Observamos as ruas estreitas e edificações históricas - sobretudo construídas pelos colonizadores espanhóis: igrejas, conventos, muros, etc

Antes mesmo dos incas, Cuzco era conhecida como "o umbigo do mundo", pela importância dada pelos habitantes da região. Ali podiam ser vistos elementos que encontraríamos em profusão na cidade histórica, pedras talhadas de forma a apresentar perfeitos encaixe entre elas, o que sugere influência da tradição inca nas construções dos invasores.

Entretanto, muito nos impressionavam as manifestações políticas, que também veríamos amplamente em Lima. Na capital peruana, em grandes rodas de conversa na Plaza San Martin, populares debatiam política e revolução. Em Cuzco, era o teatro, que também mobilizava crianças na assistência, mas que não deixava de tratar da exploração capitalista e da necessidade de uma sociedade socialista. De influência maoista, o Sendero Luminoso já tinha grande grande presença  naquele ano de 1976, mais tarde suas ações radicalizaram em movimentos armados.

Finalmente nos aproximávamos do destino previsto inicialmente pelos viajantes: conhecer a relíquia inca, centro do seu vasto império, cidade que os espanhóis não chegaram a conhecer. Incrustada numa colina, dois mil e quatrocentos e trinta metros acima do nível do mar, só voltaria a ganhar notoriedade no início do século XX, quando começou a ser mapeada por expedições científicas.

De Cuzco a Machu Picchu, tomamos um trem de ferro, que percorreu lentamente o seu trajeto até a povoação de Águas Calientes, no sopé da montanha, que em nada se assemelhava à cidade que ali se desenvolveu posteriormente. Chegamos já no fim da tarde e ali pernoitamos em um barracão, cada um segundo as suas possibilidades. Pela manhã, começamos a escalada, alguns a pé outros de ônibus, conforme sua disponibilidade. No alto, é bom registrar, que desde esta época já se instalara um hotel cinco estrelas, de modo que nem todos precisaram aguardar o dia raiar para conhecer a cidade.

As ruínas da cidade de Machu Picchu deslumbravam a todos, pela grandiosidade, pelo papel que representou quando construída no século XV, pela construção cuidadosamente moldada ao cume da montanha.

Após a visita, voltamos a Cuzco, entusiasmados e com vontade de conhecer mais cidades, o que se tornava possível devido à grande desvalorização da moeda local. Assim, logo resolvemos seguir até Lima, nas asas da Cia de Aviacion Faucett. Desta forma, cruzávamos os Andes, permitindo que fôssemos também ao Chile.

Em Lima, na companhia de outros brasileiros e argentinos que se agregaram ao grupo no curso da viagem, alugamos um ou dois quartos de um apartamento habitado por uma senhora, que assim obtinha uma renda extra.

Entre visitas a livrarias, onde proliferavam os clássicos do marxismo, e também a alguns pontos históricos, a passagem foi rápida. A maioria dos viajantes resolve seguir de ônibus em direção ao sul, para Arequipa e depois Tacna, próxima à fronteira chilena, começando uma nova etapa da jornada.

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