Uma conversa puxa a
outra. Assim acontece também com o desenrolar desse novelo sobre as
famílias que viveram nas Minas do Rio de Contas no século XIX e que
se transferiram para São Paulo nas décadas que antecederam à
chegada do novo século.
Há várias
tentativas de explicação para o deslocamento de riocontenses para o
sul do país, e entre os argumentos mais encontrados nos estudos
históricos estão aqueles que de alguma forma relacionam a migração
ao tráfico de escravos, às condições climáticas adversas em
meados do século XIX e, especificamente, à crise na produção e
nos preços de produtos agrícolas.
De fato, com a
proibição do tráfico externo de escravos em 1850, desenvolveu-se o
comércio interno entre as regiões do país, estimando-se que “até
ser abolido oficialmente em 1885, o tráfico interprovincial
movimentou nada menos do que 200 mil escravos das províncias do
norte para as do sul” (1).
À
medida que a legislação restringia a escravidão, como no caso da
Lei do Ventre Livre, de setembro de 1871, aumentava a demanda por
trabalho escravo nas principais regiões produtoras. Somente
com a edição da Lei Saraiva-Cotegipe, é que todo o tráfico intra
e entre províncias foi proibido.
Em São Paulo, entre
1861 a 1887, o destino dos escravos “do norte” era os municípios
cafeeiros, notadamente Guaratinguetá e Casa Branca, com destaque
para este último. Em Casa Branca, 28,8% dos procuradores de
vendedores de escravos correspondiam a residentes na Bahia, em
especial Vila Velha, Caetité e Rio das Contas (2).
Adicionalmente à
demanda sulista por mão de obra escrava, outro fator que impulsionou
o fluxo migratório foi a crise econômica instalada nas regiões
produtoras de algodão e açúcar. Os baixos preços desses produtos
fizeram com que as atividades produtivas permanecessem estagnadas,
limitando a necessidade de trabalho braçal. Assim, a venda de
escravos representava para os grandes proprietários uma saída para
a recuperação do capital investido na produção agrícola (1).
As condições
adversas do clima também devem ser consideradas nestas análises.
Segundo o Prof. Erivaldo Neves da UEFS, “depois da catastrófica
seca de 1857-1861, que despovoou os sertões nordestinos, novo
período de estiagem disseminou logo o pânico popular e provocou a
emigração em massa e a venda da escravaria”(3).
Como se sabe, entre
as famílias baianas possuidoras de escravos que migraram para Casa
Branca estão os Spínola, os Vasconcellos Bittencourt, mas também
os Moura de Albuquerque. Pois é sobre um Moura em especial que se
dedica este texto a discorrer, dando uma breve notícia sobre sua
descendência em São Paulo.
Efetivamente, entre
as “procurações de senhores para venda alhures de escravos,
indicando transferência de mão-de-obra cativa da policultura de
Caetité para a monocultura do café na fronteira agrícola do Oeste
Paulista”, no dizer do texto “Sampauleiros Traficantes”,
encontra-se o nome de Antônio Martiniano de Moura e Albuquerque (3).
Antônio Martiniano
é filho de Manuel Justiniano de Moura e Albuquerque (falecido em 1881) e Auta Rosa de
Moura e Meira, ambos com papel relevante nos relatos históricos e
mesmo romanescos sobre a guerra entre os Moura e os Cangussú, que
levou a intranquilidade e a morte para muitas famílias do sertão
em meados do século dezenove.
Antonio Martiniano
casou-se com D. Maria Delfina de Moura Bittencourt, filha de sua
prima Ana Amélia Moura e do Major Francisco de Vasconcellos
Bittencourt. Este, descendente direto dos primeiros Vasconcellos
Bittencourt que chegaram à Bahia vindos Açores.
Um registro
importante sobre a atividade de Antônio Martiniano é encontrada nos
arquivos municipais de Rio de Contas. Em 1877, o presidente da
Província da Bahia encaminha correspondência ao Juiz daquela
localidade solicitando informações "sobre Antonio Martiniano
de Moura e Albuquerque, que devia imposto provincial por se mudar
para São Paulo, levando consigo cerca de duzentos escravos"
(4). "Albuquerque era um dos traficantes do Alto Sertão que
vendia escravos para o Oeste Paulista por meio de procurações
passadas pelos escravistas, e talvez tenha usado o artifício da
mudança para outra província para traficar mais livremente."
Ao concluir, o estudo considera ser difícil mensurar o impacto do
tráfico interprovincial no município, uma vez que não havia
controle sobre o mesmo"(5).
O fato é que
Antônio Martiniano transferiu-se para São Paulo, mais
especificamente para Casa Branca como tantos outros riocontenses, em
especial os Vasconcelos Bittencourt.
Uma Lei de 1881,
assinada pelo Senador e Presidente da Província de São Paulo
Florencio Carlos de Abreu e Silva, estabelece que "Fica
pertencendo ao município de Casa Branca e desanexado do de
Pirassununga a fazenda do tenente-coronel Antonio Martiniano de Moura
e Albuquerque" (6). Mais tarde esta região é desmembrada para
constituir um município autônomo em maio de 1886.
Trata-se
do município de Santa Cruz das Palmeiras, cuja história aponta a
existência de fazendas de produção de
café relevantes para a formação do município entre as quais está
a "fazenda Maracajú, de Antonio Martiniano de Moura
Albuquerque" (7).
Um
segundo Antonio Martiniano de Moura e
Albuquerque, filho do primeiro, é identificado em Sao Paulo, tendo
sido nomeado por decreto de 31 de julho de 1905 a capitão da
primeira companhia da Guarda Nacional na Comarca de Santa Rita de
Passa-Quatro. Antonio Martiniano, o segundo, casa-se com D.
Maria das Dores Cardoso de Moura Albuquerque (8).
Entre
os filhos de D. Maria das Dores (que registra um terceiro Antônio
Martiniano) está aquele que consagrou-se como membro do Ministério
Público daquele Estado: Mário Tobias de Moura e Albuquerque.
Nascido em Santa Cruz das Palmeiras, no
ano de 1904, faleceu em 1967, aos 62 anos. Bacharel pela Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco, em 1927, teve participação
ativa na Revolução Constitucionalista de 1932, ingressando no
batalhão Voluntários de Itapetininga. Em 1956, torna-se
Procurador-Chefe do Ministério Público, voltando a assumir o posto
entre 1964 e 1965. Em São Paulo emprestou o nome a uma escola e a
uma penitenciária estaduais.
Assim, aos poucos,
vai se desvendando os segredos da migração dos baianos de Rio de
Contas para o oeste paulista, contribuindo para o desenvolvimento
daquele estado.
1 ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE era filho de MANUEL JUSTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (filho de MARTINIANO JOSÉ DE MOURA MAGALHÃES) e AUTA ROSA DE MEIRA E MOURA E ALBUQUERQUE.
ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE casou-se com
MARIA DELFINA DE MOURA E ALBUQUERQUE e tiveram filhos, entre os quais:
2. M i ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (FILHO)
3. F ii ANA AMÉLIA DE MOURA ALBUQUERQUE
4. F iii BELA ROSA MOURA DE ABREU
5. F iv AUTA DE MOURA BITTENCOURT
2 ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (FILHO) casou-se com
MARIA DAS DORES CARDOSO DE MOURA(1882-1960) e tiveram filhos:
6. M i ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (NETO)
7. F ii ANTONIETA MOURA PENTEADO
8. M iii MÁRIO TOBIAS MOURA ALBUQUERQUE
9. M iv JORGE MOURA ALBUQUERQUE
3 ANA AMÉLIA DE MOURA ALBUQUERQUE ou ANA VIEIRA DE CARVALHO
casou-se com ALBERTO VIEIRA DE CARVALHO
4 BELA ROSA MOURA DE ABREU casou-se com JOSÉ DE LACERDA ABREU
e tiveram filhos:
10 F i ODETTE MOURA DE ABREU
11 M ii OMAR MOURA DE ABREU
12 M iii JOSÉ MOURA DE ABREU
13 M iv ANTONIO MOURA DE ABREU
14 M v OLAVO MOURA DE ABREU
15 M vi OSWALDO MOURA DE ABREU
5 AUTA DE MOURA BITTENCOURT casou-se com
GABRIEL DE VASCONCELLOS BITTENCOURT
6 ANTONIO MARTINIANO DE MOURA E ALBUQUERQUE (NETO)
(1903-1975) casou-se com LUCINDA DE MOURA E ALBUQUERQUE e
tiveram filhos:
16 F i TEREZA CRISTINA GUIMARÃES
8 MÁRIO TOBIAS MOURA ALBUQUERQUE (1902-1967) casou-se com
DULCE BOTELHO DE MOURA ALBUQUERQUE (1910-1998)
e tiveram como filha:
17 F i LÚCIA BOTELHO DE MOURA ALBUQUERQUE
9 JORGE MOURA ALBUQUERQUE casou-se com
MARIA MAROLDO DE MOURA ALBUQUERQUE
REFERÊNCIAS
(1) A participação
da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881)
Ricardo Tadeu Caíres
Silva (Mestre em História Social –UFBA) Faculdade Estadual de
Educação, Ciências e Letras de Paranavaí- PR. Universidade
Federal do Paraná –UFPR (Pós-Graduação/ Doutorado)
(2)
O tráfico de escravos na Província de São Paulo: Areias,
Silveiras, Guaratinguetá e Casa Branca, 1861 – 1887. José Flávio
Motta
(3)SAMPAULEIROS TRAFICANTES: COMÉRCIO DE ESCRAVOS DO ALTO SERTÃO
DA BAHIA PARA O OESTE CAFEEIRO PAULISTA. Erivaldo Fagundes Neves.
UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana.
(4) Kátia Lorena Novaes Almeida. ALFORRIAS EM RIO DE CONTAS – BAHIA
Século XIX. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História Social, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia
(5) ANTILUSITANISMO
E IDENTIDADES POLÍTICAS EM MINAS DO RIO DE CONTAS (1822-1836).
Projeto de pesquisa. Mestrado de História UFBA. Moisés Frutuoso.
(6) Lei Provincial
da Assembléia de São Paulo n° 77, de 17/06/1881
(7)
Câmara de Vereadores de Santa Cruz das Palmeiras encontrado em
http://www.camarascpalmeiras.sp.gov.br/historia.html
(8)
Diário Oficial de São Paulo, 5 agosto de 1905 pág. 3738.
3 comentários:
Foi muito proveitoso, pude pegar dados importantes da minha família.
Sou bisneto de Francisco Vasconcelos Bittencourt que casou com Maria Angelica da Silva.Ela era filho de Francisco Vasconcelos Bittencourt casado com Ana Amélia de Moura e Albuquerque. Obrigado.
Getulio Vasconcelos.
Ele era filho.
Getulio,
Vc tem mais informações sobre os três Vasconcelos Bittencourt que casaram com as três irmãs Spinola?
Obrigado,
Nilton Vasconcelos
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