Marcolino
Moura, natural das Minas do Rio de Contas, viveu entre o segundo quartel do
século XIX e inicio do século XX, descendendo de abastada e poderosa família na
região do Alto Sertão da Bahia. Embora fossem os Moura possuidores de grande
número de escravos, este fato não impediu que Marcolino se destacasse no
panorama nacional como um líder abolicionista.
Um
registro importante sobre a prática escravista da família Moura tem como figura
central o seu avô Martiniano José de Moura Magalhães. Era abril de 1817, e
Marcolino só viria ao mundo 21 anos depois, mas naquele dia, o seu avô mandou
chamar várias pessoas da sua relação de amizade para testemunharem a elaboração
da carta de alforria de uma sua escrava chamada Martinha.
Alforria
esta bem paga, pois custara a Martinha não apenas o seu trabalho, a humilhação
da perda da liberdade e os maus tratos costumeiros, mas também teve que pagar a
quantia de 130 mil réis! Uma indenização paga ao seu "dono", e aceita
por ele em razão do "bom comportamento" e da forma como a escrava
havia tratado ano após ano "com amor e zelo os filhos pequenos de seu
senhor".
Para
formalizar o ato, compareceram escrivão, testemunhas e não faltou, inclusive, recibo
da operação, ficando tudo devidamente registrado em cartório. Dias depois,
entretanto, aconselhado por um dos seus filhos, resolve voltar atrás alegando
ser insuficiente o valor recebido como pagamento.
Martinha,
não só fugiu como ingressou na Justiça, que diante da documentação apresentada
e depoimento das testemunhas do ato de alforria, não teve outra alternativa
senão dar ganho de causa à ex-escrava, garantindo-lhe a liberdade (1).
Se
o neto chegou a conhecer esta história não se sabe, mas o certo é que desde cedo
Marcolino (1838-1910) teve contato com as ideias libertárias que circulavam
pela Escola de Direito de Recife, onde ingressou no início da década de 1860. Apesar
de afastar-se em 1865, para lutar como voluntário na Guerra do Paraguai, retomou
os estudos, e dois anos depois, concluiu o curso, tornando-se bacharel.
Na
Escola de Recife foi contemporâneo de Joaquim Nabuco (1849-1910), Castro Alves (1847-1871)
e Rui Barbosa (1849-1923), todos eles abolicionistas.
Membro
do Partido Liberal e da Sociedade contra Escravidão, Marcolino foi Deputado
Provincial na Bahia, em seguida Deputado Federal (1877, 1878-1881), Deputado Constituinte
(1890-1893), e novamente Deputado Federal (1894-1896, 1897-1899, 1900-1902,
1903-1905). No total, desenvolveu a atividade parlamentar por quase 20 anos.
O
surgimento das candidaturas abolicionistas, não apenas a de Marcolino, se baseava
na visão de que as mudanças deveriam vir através do Parlamento. Por isso mesmo,
o movimento contra a escravidão se desloca dos teatros para as ruas, com a
organização de bazares, quermesses, reuniões, passeatas, procissões cívicas,
comícios. Este foi também o caso de Joaquim Nabuco, Jose Mariano, José do
Patrocínio, e outros. “Confiantes na permeabilidade do sistema político às
suas demandas, os abolicionistas investiram forte numa mudança por dentro das
instituições políticas, num ciclo de mobilização dos votos." (2)
Nabuco
e o grupo de abolicionistas ao qual se vinculava baseavam-se na defesa de uma
solução negociada, no âmbito do parlamento, sem rupturas ou violência. Neste
sentido, merece registro o debate no Congresso em torno do "Projeto sobre
o elemento servil" do qual participavam entre outros Joaquim Nabuco e
Marcolino Moura, em março de 1879. Tratava-se de discutir uma proposta que
instituía um imposto sobre o rendimento auferido com a atividade produtiva com
a participação de escravos. Com o tributo arrecadado seria constituído um Fundo
de Emancipação para a supressão gradual da escravidão.
Neste
debate, Nabuco fundamentava a proposta, sendo contestado pelo deputado conservador
Martinho Campos alegando que justamente os proprietários de escravos é que não
deveriam pagar impostos, pois "o escravo não representa senão o trabalho
do senhor", nenhum caiu do céu, e arremata: "temos a pior das
propriedades". Neste momento, Marcolino Moura sai em apoio a Nabuco e
declara: "é a pior das propriedades, mas os senhores a defendem com todas
as forças" (3).
Marcolino
não foi pródigo em discursos em sua passagem pela Câmara Federal. Certamente, seus
pronunciamentos mais contundentes estiveram relacionados à defesa de sua
iniciativa de lei sobre a aposentadoria dos militares que atuaram na Guerra do
Paraguai. Sobre a questão da escravidão, conforme registrado em uma breve
descrição das suas atividades elaborada pela Câmara dos Deputados, sobressaem suas
intervenções sobre "O elemento servil", nas sessões de 4 de setembro
e 12 de novembro de 1880 (4).
Não
sendo um homem de muitas palavras, seus apartes eram breves. Numa publicação
editada pelo Congresso e dedicada aos discursos de Joaquim Nabuco acerca da
Abolição registram-se em suas 553 páginas, sete intervenções de Marcolino Moura,
nenhuma delas se estendendo por mais de uma frase (5).
Se
não foi homem de palavras, no entanto, não se pode dizer que não fora homem de ação,
o que se pode constatar nas notícias sobre a sua participação na Guerra do
Paraguai. Sobre este o assunto ver em http://vasconcelosbahia.blogspot.com.br/2012/05/um-moura-na-guerra-do-paraguai.html
Marcolino
Moura foi indiscutivelmente um abolicionista, além das suas intervenções no
Congresso, integrou o Grupo Abolicionista, participou da criação da Sociedade
Brasileira contra a Escravidão e do jornal Abolicionismo.
Para
compreender a natureza deste movimento que levou jovens de famílias escravistas
a abraçar o abolicionismo, tomemos as palavras de Pedro Calmon. O renomado
historiador baiano considera que a Abolição foi "um movimento
aristocrático". Foram os interessados materialmente na exploração do
escravo, a ala juvenil da casta proprietária, uma parte da "nobreza
agrícola" dos cafezais e dos canaviais, que golpeou "com o braço
robusto, o regime servil" (6).
Parte
da explicação para o envolvimento de Marcolino Moura contra a escravidão, inclusive
obtendo apoio eleitoral de figuras proeminentes do alto sertão como o Coronel
Exupério Canguçu, pode estar na perda da importância relativa da prática
escravista na região com a migração de grandes contingentes para São Paulo, o que fez diminuir em 55,1%
a população escrava da Bahia, somente entre 1864 e 1874 (7).
Por
tudo isto cabe resgatar a importância deste baiano da Boa Sentença, terra dos
Moura, atualmente distrito do município de Rio de Contas, batizado com o nome
do ilustre filho Marcolino.
NVJ
14/08/2012
Fontes:
(1) "Senhores
nos bancos dos réus", de Ricardo Tadeu Caíres Silva.
(2) "A
teatralização da política: a propaganda abolicionista" Angela Alonso - Anais
do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011
(3) Joaquim
Nabuco - Discursos Parlamentares (1879-1889), Instituto Progresso Editorial,
São Paulo
(4) Câmara
dos Deputados, pesquisa elaborada a partir do SILEG – Módulo Deputados, em
27/03/2012.
(5) Perfis
Parlamentares 58, edição de 2010, com seleção de discursos elaborada por
Gilberto Freire.
(6) A
Abolição. In: A Revista do Arquivo Municipal". São Paulo. Pedro Calmon,
1938, citado em tese de Ricardo Tadeu Caires Silva "caminhos e descaminhos
da Abolição", 2007.
(7) Bahia
Sec. XIX, uma Província do Império. Kátia Mattoso. RJ, 1992.
2 comentários:
Boa noite, sou Historiador e pesquisador do pós abolição na Bahia. Gostaria de manter contato com o responsável do Blog a fim de trocar informações sobre o Coronel Marcolino. Encontrei uma fonte primaria ligada a Eduardo Carigé, que execra o coronel supracitado no sentido de acusa-lo de traidor do partido liberal bem como a causa do abolicionismo.
Meu email para contato é: ricardo22_196@hotmail.com
Aguardo o contato!
Mandei email para vc. Obrigado pelo comentário.
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