Retalhos

Isaura, nasceu em 6 de maio de 1894 na zona rural de Bom Jesus dos Meiras, atual Brumado, na Fazenda Poções, vilarejo de Olhos d'Água, atual distrito de Itaquaraí. O milho plantado no dia de São José já apresentava largas folhas, quando veio ao mundo a primeira filha de Dona Constança dos Santos Lima.
À época com vinte anos, Dindinha, como era conhecida a mãe de Isaura, havia se casado há dois anos, e vivia atribulada em comandar uma casa enorme, dividindo suas atenções entre o marido, João Pedro, trinta anos mais velho, e os onze filhos do primeiro casamento dele com a finada Dona Virgínia Santos.
A chegada de Isaura foi muito festejada, e depois dela, Dindinha deu luz a mais quatro meninos e uma menina.
Desde pequena, Miúda, como passou a ser chamada, teve aulas de bandolim e, ainda na fazenda dos pais desenvolveu os primeiros estudos. Posteriormente, já mocinha, estudou em Brumado, tendo morado com os padrinhos, Dona Mena e o Major Casemiro. Quando podia, gostava mesmo era de brincar com a sua boneca Mirandulina, passando horas a fazer comidinhas e outras brincadeiras típicas das meninas da época.
Isaura, aos dezenove anos de idade, casou-se com Osório, em 27 de junho de 1913. O moço, dois anos mais velho, era também de família tradicional, neto de Wenceslau Rizério de Araújo. Do pai Faustino, Osório herdou parte da Fazenda Lagoa do Leite, para onde os dois jovens se mudaram após o casamento. Ali, viveram momentos de muitas alegrias.
O pai de Isaura, João Pedro Lima, faleceu em 1918, aos 78 anos. Viúva, Dindinha casou-se com José Severino Rodrigues, o Capitãozinho, também viúvo e com filhos. Um destes filhos, José Pinchemel Rodrigues, casou-se com Leonor, filha mais nova de Dindinha.
Isaura e Osório tiveram doze filhos. O primeiro, Osmar, nasceu em 16 de maio de 1914, e o último, Osorinho, em 4 de agosto de 1937, de maneira que naquela data, o filho mais velho já contava com 23 anos de idade, e havia se casado meses antes. Menos de um ano depois, nascia o primeiro neto, Benito, em abril de 1938.
Na Lagoa do Leite, moravam numa casa de muitos cômodos e sótão. A vida na roça sempre foi de muita labuta, com Osório envolvido na produção de algodão ou com o gado, e Isaura cuidando da meninada, que sempre ajudava a mãe, nas tarefas domésticas, inclusive olhando os irmãos mais novos.
Hilda levava uma marmita pro trabalhador no campo, Nilton criava um tatu num cercado, Rui acompanhava a trilha formada pelas formigas, outro filho tangia os carneiros, outro, cuidava das vacas de leite, outro, ainda, tentava pegar um frango para o almoço, e assim por diante.
O avô Faustino, pai de Osório, periodicamente visitava os netos, e gostava de levar rapadura, para a alegria geral. Em 1932, a família se muda para o comércio de Santa Bárbara dos Casados, depois para a Fazenda, lugarzinho um pouco afastado de Ubiraçaba, onde Osório construiu uma casa espaçosa. 
Nos anos 40, a família passa a enfrentar dificuldade, culminando com a perda de todo o gado que tinham. A partir dessa época, os planos de buscar novas perspectivas de vida fora dali, foram se intensificando. A preocupação com os estudos foi uma constante, seja no povoado de Ubiraçaba, em Livramento, ou em Caetité, onde ficavam com a avó Dindinha.
Em 1944, a Lagoa do Leite passa a ser a moradia da filha Celina e Alcebíades Bonfim, Bia, após o seu casamento. As duas filhas, Celina e Maria de Lourdes, casaram-se no mesmo dia, com dois irmãos Bonfim, Bia e Zezito
Eram muitos filhos, mas todos lhe faziam falta. Enorme sofrimento causou a perda de Osorinho, na passagem do dia 15 para 16 de maio de 1947. Em carta à filha, Diná, às lágrimas ela comunica a morte do filho querido, aos dez anos de idade. Os filhos, Nilton e Celina, a acompanhavam naquele momento difícil.
Naquela época moravam na Fazenda, próximo a Ubiraçaba. Osorinho enfrentava um problema cardíaco congênito, e foi acompanhado com os recursos que a família dispunha à época. Cansava com frequência, e neste dia, deitou-se ainda durante o dia e ao acordar à noite, começou a passar mal e, ainda nos braços da mãe, deu sinais de que não se recuperaria.
Osório, ao chegar em casa, foi aos prantos, desconsolado.
Na emocionante carta, Isaura registra: "Diná, não sou mais aquela mãe de outros dias, pois me falta um retalho do coração e da alma"
A tristeza foi remediada com o nascimento de Mercedes. Lourdes, que passara o dia ajudando a mãe e preparando o enterro do irmãozinho, que aconteceu às 5 da tarde, voltou para casa, em Ubiraçaba, e às 7 da noite, deu luz à primeira filha.
A carta, cheia de emoção e dor, é uma declaração de amor. Escrita com muito esmero e português escorreito, diz singelamente: "Eu já queria muito os meus filhos, o quanto se pode querer na vida, e hoje sinto que os quero muito mais ainda", e conclui mandando abraços para a filha e para o "João da Mamãe".
Continua a batalha de criar e acompanhar sua grande família. Em 1949, Nilton é aprovado no concurso para agente fazendário, e assume o cargo na Coletoria de Guanambi, em 1950.
No mesmo ano, em junho, morre Celina, aos trinta anos, no parto do terceiro rebento. Mais uma vez, dor e alegria. Cuidar daquela linda criança, Maria Celina, como se fosse a sua própria filha, ajudou a enfrentar mais uma vez, a perda de um pedaço da sua alma.
Reunida a família naquela ocasião, decidem mudar para Caetité. Osório fica cuidando do Lamarão e morando com sua irmã, Fidel. Isaura, já com 56 anos de idade, assume a responsabilidade de cuidar dos filhos distante do marido. Em sua casa, abriu quartos para pensão, especialmente para jovens que iam estudar na Escola Normal de Caetité.
Em 1954, aos 82 anos, morre Dindinha, a mãe de Isaura. A perda de entes queridos, como os netos Paulo, em 1943, Mary Eunice, em 1953, Maria Beatriz, em 1966, ou da nora Eudite, em 1972, foram todos eles momentos difíceis. Era consolada e consolava os seus como podia. Era uma mulher de têmpera e enfrentou tantas dificuldades com bravura, fibra e brandura.
No início dos anos 60, muitos filhos haviam constituído família. Além de Osmar, Lourdes e Celina, já haviam se casado Nilton (1953), José Osório(1959), Tereza(1959), João Pedro (1959), e Hilda (1960). Assim, em 1961, Osório e Isaura se mudam para Brumado, passando a viver em casa de aluguel e, algum tempo depois, numa casa própria à Praça Anastácio, onde Isaura faleceu, em 26 de julho de 1974. Osório sobreviveu a ela mais doze anos, até 1986.
A partir de então, os filhos passaram a se reunir anualmente, e com os anos organizavam grandes encontros de toda a família.
Nos reencontros, cada retalho que forma a imensa colcha é importante para esta união em que prevalece a amizade, a tolerância, o amor, o carinho, a lembrança dos que se foram, e a alegria pelos que chegaram, homenageando a mãe, a avó, bisavó, a trisavó, tetravó, Isaura.

 

 

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